Viajando pelas Pessoas: Uma Jornada Além dos Lugares – Parte I

Quais são suas motivações para fazer uma viagem? Fotos pras redes sociais? Descanso merecido daquele trabalho sufocante? Encontrar um amigo? Visitar a família? Intercâmbio, talvez? Os motivos são variados, não é mesmo? Por aqui, tem muito tempo que deixei de viajar somente pelas paisagens, comidas e cervejas e decidi viajar pelas pessoas. Hoje eu viajo para conhecer e me familiarizar com a multiculturalidade do mundo, para me conectar com a diversidade humana, ouvir histórias e aprender com elas.

Esse é um post diferente, de uma série inédita de escritas que quero trazer pra cá, com reflexões e papos de coração aberto. Bora lá comigo?

Viajando pelas Pessoas: Uma Jornada Além dos Lugares

Essa afirmação soa um tanto esquisita porque é óbvio que quem vai até a Índia também vai pelo Taj Mahal, quem vai até a Austrália também vai para ver cangurus e quem sai do Brasil e se desloca até Roma tem o Coliseu como motivação, sim. Mas tem um tempo que isso passou a ser secundário para mim. Viajar me fez mudar de vida, de carreira e me fez olhar pro mundo com um olhar bem diferente.

Eu já quis visitar 13 países em uma viagem de duas semanas, já quis carimbar quantas folhas fossem possíveis no meu passaporte. Assim como também já quis comprar um carro do ano, ter uns 37 pares de sapato e umas 387 “brusinhas”, etc. Entretanto, assim como hoje ter um guarda-roupa cheio já não faz sentido, ter um passaporte inteirinho carimbado também não.

Eu quero conhecer mais gente. Eu quero conhecer gente do mundo inteiro.

É por sorrisos assim que eu viajo pelo mundo

Por isso decidi escrever esse post contanto um pedaço da história de alguns dos personagens que abrilhataram nossa viagem de volta ao mundo. Porque foram eles que deixaram a viagem tão mais significativa e mais intensa. Eles que são até hoje a melhor memória desses mais de 10 anos viajando pelo mundo.

Vem ver quanta gente maravilhosa!

África do Sul – Joanesburgo – Farid

No início da nossa viagem nós já nos demos conta de que o ritmo seria diferente daquele que havíamos pensado no início. Em nosso primeiro destino (Joanesburgo) nós já tivemos a sorte de ficar hospedados na casa de um ser humano incrível, em todos os sentidos.

Farid é professor de uma das maiores universidades da África do Sul. Militante dos Direitos Humanos, participou ativamente da luta contra o Apartheid, desse capítulo importantíssimo da história da humanidade. E foi ali, naquele encontro, que percebemos que para nós já não importava tanto os destinos e paisagens que víamos durante o dia, o momento que mais esperávamos era o de voltar pra “casa” e jantar com nosso host e seus amigos.

Nós fomos hóspedes do Farid através do CouchSurfing, uma plataforma onde pessoas oferecem hospedagem gratuita. Toda noite nós jantávamos juntos e toda noite ele convidava amigos diferentes para conversar com a gente sobre temas variados da vida.

Nós estivemos por lá durante o Ramadã, que até então a gente nem sabia direito o que era. E nessa troca cultural nós aprendemos que o Ramandã acontece no nono mês do calendário muçulmano – que é diferente do nosso calendário, inclusive (alôoo golpe narcísico de perceber que nem todo mundo segue o calendário ocidental). Aprendemos também que o Ramadã é o mês em que muçulmanos jejuam do momento que o sol nasce até o momento em que ele se põe, e que fazer essa refeição em família no fim do dia é um grande evento.

Mas principalmente, aprendemos com o Farid e seus amigos que lutar pelos direitos das minorias é uma obrigação, especialmente para pessoas privilegiadas como nós. E também foi ali que começou meu processo de entender que da vida e das dores do outro a gente não sabe nada, a gente só supõe… e olhe lá.

Viajar pelas pessoas e não pelos lugares em si
Farid e nossos amigos em Joanesburgo

Mas nem tudo são flores. Foi também em Joanesburgo onde tomamos um dos maiores sustos da nossa vida!

No último dia do Ramadã, o Eid al-Fitr, Farid nos convidou para ir com ele até um mercado local, pouco frequentado por turistas. Eu achei maravilhoso, pois esse é o tipo de programa que todo mochileiro raiz adora fazer. Pegamos um Uber e fomos até o mercado Fordsburg, um mercado de rua formado por indianos, paquistaneses e sul-africanos que vendem todo tipo de coisa: desde comidas deliciosas e especiarias até CD’s e bugigangas chinesas.

Depois de termos feito todas as compras para o banquete que seria servido mais tarde, nosso amigo sugeriu que saímos das ruas principais e fôssemos até uma rua paralela, onde seria mais fácil para pedir um Uber. E assim fizemos.

Marmitas no chão, olho no celular e de repente Lázaro me diz: “fica calma porque nós seremos assaltados”. Eu, que de calma não tenho muita coisa, quase morri do coração ao perceber a cena acontecendo na minha frente, em câmera lenta. Só quem já passou por algo assim sabe como é viver uma experiência de 30 segundos que parece durar uma hora inteira. Seis homens se aproximaram, um deles armado, pedindo para que entregássemos tudo que tínhamos.

Obviamente que pensei na doleira que Lázaro trazia na cintura (contendo nossos cartões e nosso $$) mas preciso dizer que também pensei nas marmitas cheias de comidas gostosas que tínhamos acabado de comprar. Iriam eles querer nossas marmitas também? Eu tive esse pensamento na hora, gente! rs.

Uma das barraquinhas do mercado

Farid tentou conversar numa boa com o moço que nos abordou, mas ele (o moço) estava ficando bastante agressivo. Lázaro parecendo calmo e eu só conseguia me perguntar porque diabos tínhamos saído da rua principal. E claro, seguia pensando nas marmitas.

Mas de repente percebi que o Farid fixou o olhar em um homem super forte que se aproximava de nós, vindo da outra calçada. Sabe o The Rock? Ou aqueles seguranças grandalhões, de gente famosa? Tipo isso. Mas não era só aparência mesmo não, pois o cara de fato trabalhava como segurança na universidade de Joanesburgo. Pois minha gente, ele reconheceu o professor, percebeu que estávamos apavorados e em apuros, se aproximou rapidinho e já chegou peitando o moço.

Entretanto, contudo, todavia (socorro, Deus!), o segurança não sabia que o cabra estava armado.

Aí nesse momento eu pensei: “pronto, não só vamos perder as marmitas como vamos morrer. E pior, eu vou morrer com fome”.

Socorro, Deus!

Mas você sabe que o universo protege os bêbados, as criancinhas e os mochileiros, né? Pois se não sabia, agora você já sabe.

Pois você acredita que nesse instante, nessa fração de segundos em que pensei que morreria ali e com fome, passou (PASME!) uma viatura da políciaaaaaaaaa!? Com direito a sirene ligada e tudo mais.

Mas não terminou ainda não, acha? Assim que a polícia chegou estragando o rolê dos assaltantes, logo na sequência também chegou o nosso Uber. E o segurança, percebendo que estávamos tremendo feito três varas verdes, se ofereceu para ficar no local e explicar toda a situação para a polícia.

E nós? Pois nós entramos mais rápido que o Jiraiya naquele Uber e saímos de lá na mesma hora. Os três mudos e incrédulos no que tínhamos acabado de vivenciar.

Chegamos na casa do Farid e celebramos um tanto de coisa naquela noite: o fim do Ramadã, celebramos nossas vidas, nossa sorte e Deus, que segue firme e forte cuidando da gente.

Lesoto – Maseru – Vincent

O Vincent foi uma grande surpresa em nossa viagem pelo Lesoto. Nós o conhecemos no transporte público que pegamos para atravessar a fronteira da África do Sul até Maseru. Aliás, aproveitando a oportunidade, você sabia que existe um pequeno país africano cujo território fica dentro de outro país? Pois agora, através desse post, você já sabe que o Lesoto é um país independente com pouco mais de 2 milhões de habitantes e que se localiza dentro do território da África do Sul no mapa mundi.

Assim que chegamos em Maseru, a capital do Lesoto, nós já fomos beber uma cerveja com o Vincent. Quer maneira melhor de começar uma amizade? Eu desconheço! rs. Ele ficou com a gente o tempo todo, foi nosso guia, nosso amigo e nos ajudou a desbravar tantos lugares que certamente sem ele nós não teríamos conseguido.

Contudo, a lembrança mais linda que tenho do Lesoto foi quando o Vincent nos pediu para acompanha-lo até a escola primária onde ele havia estudado. Ele queria reencontrar sua professora. Queria rever o lugar onde havia estudado quando criança. Ele queria agradecê-la por todo o aprendizado que o permitiu ir tão longe.

A carinha do Vincent com sua professora do primário

O gesto do Vincent me tocou profundamente pois minha mãe era professora. E até hoje, em minha cidade natal, eu encontro pessoas que se emocionam ao me ver, se emocionam quando falam da minha mãe e de seu importante papel em suas vidas.

Infelizmente eu vejo o Brasil como um país que não valoriza uma das principais profissões desse mundo. São muitos atrasos, falta de reconhecimento e um descaso absurdo com uma das classes trabalhadoras que mais deveria ser valorizada, bem remunerada e honrada. E não falo somente dos governantes, não. Mas a população em geral também falha quando se trata da valorização dos profissionais da educação.

É com muita tristeza que enquanto escrevo este post também leio uma notícia do Brasil dizendo que uma professora de 71 anos foi esfaqueada e morta por um aluno.

Definitivamente faltam meninos como o Vincent no mundo…

Namíbia – Windhoek – Marco e Samantha

Responda rápido, mesmo que você ainda não tenha filhos: você deixaria seus filhos serem cuidados por dois mochileiros que você nunca viu na vida?. Pois o Marco e a Samantha deixaram!

Depois de passar pela África do Sul e pelo Lesoto nós seguimos até a Namíbia, um país com uma das paisagens mais incríveis de toda a viagem. Mas sem dúvida a melhor lembrança que definitivamente ficou gravada no meu coração foi dessa família aqui:

Tem família mais linda!?

Nós ficamos pouco mais um mês vivendo com o Marco, a Samantha, a Melissa e a Danielle mas foi tempo suficiente para que nos tornássemos grandes amigos. Saíamos para explorar a cidade de manhã, cuidávamos das meninas na parte da tarde e jantávamos juntos todos os dias.

Mas além das muitas horas de conversas filosóficas sobre a vida, o Marco ainda nos ajudou em muitos outros aspectos. Nós não tínhamos a menor ideia de como faríamos para viajar pelo país.

Se você está chegando por aqui agora e não acompanhou a saga, saiba é quase impossível viajar pela Namíbia utilizando transporte público. O Marco nos ajudou a alugar um carro (nada apropriado diga-se de passagem, quem aí se lembra?) e ainda fez todo o nosso roteiro.

Mas não só isso, ele ainda nos emprestou todos os equipamentos necessários para que pudéssemos acampar nas cidades por onde passaríamos e ainda foi com a gente até a agência para negociar o valor do aluguel do Uva – se esse nome não te diz nada, clique aqui para saber mais.

Inclusive ele nos ajudou a mentir para o dono da agência sobre o roteiro que faríamos. Caso contrário eles jamais topariam alugar esse carrinho de brinquedo que usaríamos para fazer uma viagem que normalmente as pessoas fazem com carros off-road imensos.

O “Uva”, um Peugeot 107 que alugamos para dirigir pela Namíbia

Mas tem outra parte interessante que eu gostaria de dividir também. Eu, Camila, tenho uma decisão muito sólida em minha vida, desde muito pequena eu sempre soube que não queria ser mãe. Poder ser uma decisão influenciada pelo fato de que perdi minha mãe muito cedo? Pode! Pode ser qualquer outra coisa relacionada à minha infância? Pode também. Mas a razão não importa muito, na verdade. O que importa mesmo é que definitivamente eu não quero ter filhos. Ponto.

Por isso, para todas as pessoas que me conhecem de maneira mais profunda, foi uma grande surpresa quando descobriram que eu passaria um mês inteirinho cuidando de duas menininhas na Namíbia. Confesso que até pra mim foi.

Até hoje não sei dizer qual foi minha principal motivação. Penso que a viagem já era algo tão desafiador em tantos aspectos da vida que imaginei que me desafiar nesse lugar do cuidado seria um passo importante também. E foi!

Porque foi depois de ter dado vazão a esse lado materno que comecei a colocar em prática um plano que já tinha há bastante tempo, que era o de fazer uma transição de carreira e estudar temas relacionados a área de humanas e a psicanálise.

E é importante lembrar aqui que, pelamor das deusas, nós precisamos respeitar as decisões das pessoas. E, por mais que seja difícil, precisamos aprender a guardar nossos questionamentos e opiniões para nós mesmos.

Mas gostaria de concluir esse primeiro post dessa série dizendo que o Continente Africano mudou minha vida, de todas as maneiras que uma vida pode ser mudada. Foi lá onde meu processo de descontrução deu início. Foi onde conheci o amor da minha vida e onde tomei uma das grandes decisões que me trouxeram até aqui. E as pessoas desse post foram agentes ativos nesse meu processo de transformação e de crescimento. Esse post é uma homenagem a elas.

Mas não termina por aqui. Isso é só o começo.

Continua…

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